Rara Avis in Terris, JUVENAL, Sátiras, VI, 165

terça-feira, 10 de junho de 2025

O Portugal Futuro

 

Lagos, 2024 - Ana


O Portugal futuro é um país
aonde o puro pássaro é possível
e sobre o leito negro do asfalto da estrada
as profundas crianças desenharão a giz
esse peixe da infância que vem na enxurrada
e me parece que se chama sável
Mas desenhem elas o que desenharem
é essa a forma do meu país
e chamem elas o que lhe chamarem
Portugal será e lá serei feliz
Poderá ser pequeno como este
ter a oeste o mar e a Espanha a leste
tudo nele será novo desde os ramos à raiz
À sombra dos plátanos as crianças dançarão
e na avenida que houver à beira-mar
pode o tempo mudar será verão
Gostaria de ouvir as horas do relógio da matriz
mas isso era o passado e podia ser duro
edificar sobre ele o Portugal futuro

Ruy Belo

sexta-feira, 6 de junho de 2025

A guerra terá um fim


"Alegoria da Guerra", Brueghel




A guerra terá um fim.
Os líderes trocarão apertos de mãos.
A idosa continuará
esperando pelo filho martirizado.
Aquela moça vai esperar pelo
amado marido.
E essas crianças esperarão
por seu heróico pai.
Não sei quem vendeu nossas terras.
Mas eu vi quem pagou o preço.

Mahmoud Darwish (Tradução de Nelson Santander)

    Mahmoud Darwish (Al-Birweh, 13 de março de 1941 – Houston, 9 de agosto de 2008) - Nascido em Acre, na Galileia. É ele o autor da Declaração de Independência Palestina, escrita em 1988 e lida pelo líder palestiniano Iasser Arafat, quando declarou unilateralmente a criação do Estado Palestiniano. Darwish é considerado o poeta nacional da Palestina.


quinta-feira, 29 de maio de 2025

Florescer no deserto

 

Deserto do Neguev, 2019 


    Passaram-se os dias e o Rara Avis sempre assim foi - silencia-se quando o labor dos dias me solicita até ao excesso. Os meus amigos já conhecem o significado da minha ausência: é a vida a clamar por mim.
  Tanta coisa aconteceu, entretanto! Depois dos muito quilómetros, de tanta luz a ferir o meu olhar, cá estou de regresso.
  Resta-nos florescer no deserto! Talvez, naquele sentido da grande resiliência perante as tantas adversidades e tamanha aridez - a velha lição do Livro. 
  O sangue das guerras e o grito dos homens não parecem suficientes para calar o velho Deus - haverá, ainda, um Justo? 
 Quando, quase criança (culpa das bibliotecas itinerantes da Gulbenkian) lia Rousseau, estava longe de imaginar no que se transformaria a sociedade e a natureza humana de alguns líderes sociais. Esse velho suíço (antes da Suíça) bem nos avisou que, sem uma sociedade que não corrompa a natureza humana, o Estado deixa de sobreviver. Talvez, por isso, o perseguiram e chamaram de "impostor". Conhecemos os seus limites teóricos e não é disso que aqui falo, já se sabe...
    
     
    

domingo, 11 de maio de 2025

Abandonos

 

https://prehistoricportugal.com/megaliths/


    Andamos por aí, sempre foi assim. Somos andarilhos natos. Sê-lo-emos, decerto, enquanto as pernas o permitirem. Tu apaixonas-te pela História e eu inebrio-me com os sons, os odores, o silêncio, os encantamentos de uma luz coada sobre a planície. Depois, escuto-te e enriqueço.

    Lamentamos o abandono a  que vão sendo soltos os lugares: capelas caídas, sítios megalíticos empilhados depois das sucessivas lavouras e, mesmo quando anunciados em rotas turísticas, acessos que a invernia vai tornando inacessíveis. Como é possível? Como é possível que Évora não core de vergonha perante o estado a que chegou o acesso ao Cromeleque dos Almendres? Sete mil anos deixados ao acaso, repletos de turistas e de estudiosos...


Ana - Maio 2025

    A uma altura em que se digladiam retóricas ocas, fica bem claro como alguns aspectos são completamente esquecidos. Caminhemos, no entanto, como das tantas vezes em que aqui viemos. Hoje, foram cerca de três quilómetros  a pé para lá chegarmos. A quem interessa a História? A quem interessa que se esqueça a História?

Ana - Maio 2025

    Valha-nos a beleza do montado...

    

terça-feira, 6 de maio de 2025

Céu Plúmbeo

 

Bettina Baldassari

Olha, no céu plúmbeo, uma pomba

voa serena sobre o verde e as flores.

Anda, retira de tua alma as dores

e aspira o polén de vida que tomba.


Que tomba da corola solene e bela

e perfuma o cinzento de silêncio e ar!

Leva doçura à alma eleita para amar,

traça, com tuas mãos, a felicidade singela.


Singela na beleza e o seu raio inunda

a alma triste onde a saudade dói...

com ecos de lonjura, fera e rotunda!


Plúmbeo o céu, o Sol, o cinzento destrói.

E não temas, tu és a razão profunda...

Ama! Pois, afinal, a vida se constrói.


                                 Ana Tapadas, Sul Sereno, editora Europa, 2024, p. 38