Rara Avis in Terris, JUVENAL, Sátiras, VI, 165

sexta-feira, 25 de julho de 2025

44 anos

 


Story of love, Vladimir Kush

14
Brincas todo o dia com a luz do universo.
Subtil visitante, chegas na flor e na água.
És mais que este pequeno órgão claro que aperto
como um cacho em minhas mãos pelos dias.

A ninguém te pareces desde que te amo.
Deixa eu te deitar entre guirlandas amarelas.
Quem escreve teu nome com letras de fumo entre as estrelas do sul?
Ah deixa eu te lembrar como eras quando ainda nem existias.

De repente o vento uiva e golpeia minha janela fechada.
O céu é uma rede carregada de peixes sombrios.
Aqui vêm dar todos os ventos, todos.
Despe-se a chuva.

Passam fugindo os pássaros.
O vento. O vento.
Só posso lutar contra a força dos homens.
O temporal faz girar folhas escuras
e solta todas as barcas que à noite atracam no céu.

Estás aqui. Ah não me foges.
Responderás até o último grito.
Encolhe-te a meu lado como se tivesses medo.
Lépida uma vez uma sombra estranha percorreu teus olhos.

Agora, agora mesmo, pequena, trazes-me madressilvas,
e trazes ainda os seios perfumados.
Enquanto o vento triste galopa matando mariposas
eu te amo, e minha alegria morde tua boca de ameixa.

Quanto te doerá acostumares-te a mim,
à minha alma solitária e selvagem, ao meu nome que afastam.
Vimos tantas vezes a lamparina arder beijando nossos olhos
e sobre nossas cabeças desdobrarem-se os crepúsculos em leques gigantes.
Minhas palavras choveram em ti, acariciando-te.
Há tempos amei teu corpo de nácar ensolarado.
Até te vejo dona do universo.
Te trarei das montanhas flores alegres, campânulas,
avelãs escuras e cestas selvagens de beijos.

Quero fazer contigo
o que a primavera faz às cerejeiras.

Pablo NERUDA, Vinte Poemas de Amor e uma Canção Desesperada, 14, 1924



44 anos de casamento


domingo, 20 de julho de 2025

Calema

 

Fontana dei Quattro Fiumi (Fonte dos Quatro Rios) - Roma - José Alves

Hei-de enfrentar teimosamente o Futuro.

Defenderei até ao fim a Verdade,

Porque a Justiça é o meu ideal mais duro,

Porque o meu peito traz consigo a Vontade!

Serei a criança, sorrirei às estrelas,

Porque existem coisas belas, hei-de defendê-las.

Ainda que me apontem o dedo em riste...

Irei dizer que a Vida ainda existe!

Calema, sob o verde das águas, cresce...

Abril já partiu e os homens hoje oraram,

Mas secretamente Setembro decresce...

No fulgor dos impérios que naufragaram.


Ana


Calema - Ondulação forte do marnas costas de África que causa forte rebentação.

(https://dicionario.priberam.org/calema)


Fonte dos quatro rios (Roma) -quatro rios mais importantes de diferentes continentes: o Nilo (África), o Danúbio (Europa), o Ganges (Ásia) e o Rio da Prata (Américas

sábado, 12 de julho de 2025

Às vezes, a ternura...

 

Foto: Sara Monteiro, 2025

Às vezes, a ternura

rebenta no azul,

acaricia o tempo

e voga no silêncio.

Às vezes, a doçura

ausente nesse Sul,

arrasta-se neste vento

 e voga no silêncio...


Ana



terça-feira, 1 de julho de 2025

Quarenta graus

 


Rui Carapinha, 2025
Matemático e meu ex-aluno, que teve a gentileza de me oferecer esta bela aguarela.


Vinham de longe,

cansados do Tempo...

Traziam rumores,

no prumo do vento.

Vinham, de tão longe,

no suão do lamento...

Traziam ardores,

E sofrimento.


Ana





domingo, 29 de junho de 2025

Extremo

 


Bernardo Strozzi, "As três Parcas"




Oligarcas
Autocratas
Monarcas
Teocratas
Magnatas

E outros tiranos
Em horas parcas
Causam seus danos

Choram meninos
Clamam as Parcas
Os nossos Destinos

                           Ana


*Parcas - deusas da mitológicas. São também designadas fates, daí o termo fatalidade. São três deusas: "Nona" (Cloto), "Décima" (Láquesis) e "Morta" (Átropos). Nona tece o fio da vida, Décima cuida de sua extensão e caminho, Morta corta o fio.